quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tecnologia na escola: criação de redes de conhecimentos


                                                                    Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida

O uso da tecnologia de informação e comunicação – TIC na escola carrega em si mesmo as contradições da sociedade contemporânea. De um lado, dados do IBGE1 (1999) apontam 13,3% de analfabetos com idade de 15 ou mais anos e média de 5,7 anos de estudos para pessoas de 10 ou mais anos de idade. Ressalta-se ainda a preocupação com os altos índices de analfabetos funcionais considerados pelo IBGE como as pessoas que não completaram as quatro primeiras séries do ensino fundamental. Por outro lado, o mundo digital invade nossas vidas e torna-se imperioso inserir-se na sociedade do conhecimento. Como superar essa contradição? Como participar da sociedade do conhecimento e, ao mesmo tempo, ajudar a diminuir esses índices que nos deixam abaixo de diversos países inclusive da América Latina? Inserir-se na sociedade da informação não quer dizer apenas ter acesso à tecnologia de informação e comunicação – TIC , mas principalmente saber utilizar essa tecnologia para a busca e seleção de informações que permita a cada pessoa resolver os problemas do cotidiano, compreender o mundo e atuar na transformação de seu
contexto. Assim, o uso da TIC com vistas à criação de uma rede de conhecimentos favorece a democratização do acesso à informação, a troca de informações e experiências, a compreensão crítica da realidade e o desenvolvimento humano, social, cultural e educacional. Tudo isso poderá levar à criação de uma sociedade mais justa e igualitária.

Como criar redes de conhecimentos? O que significa aprender quando se trabalha com redes de conhecimentos? Como inserir o uso de redes de conhecimentos na escola? O que cabe ao educador nessa criação?
A metáfora de rede considera o conhecimento como uma construção decorrente das interações do homem com o meio. À medida que o homem interage com o contexto e com os objetos aí existentes, ele atua sobre esses objetos, retira informações que lhe são significativas, identifica-os e os incorpora à sua rede, transformando o meio e sendo transformado por ele.
O uso da TIC na criação de rede de conhecimentos traz subjacente a provisoriedade e a transitoriedade do conhecimento, cujos conceitos articulados constituem os nós dessa rede, flexível e sempre aberta a novas conexões as quais favorecem compreender “problemas globais e fundamentais para neles inserir os
conhecimentos parciais e locais” (Morin, 2000, p. 14)2.
Com o uso da TIC e da Internet pode-se navegar livremente pelos hipertextos de forma não-seqüencial sem uma trajetória pré-definida, estabelecer múltiplas conexões, tornar-se mais participativo, comunicativo e criativo, libertar-se da distribuição homogênea de informações e assumir a comunicação multidirecional com vistas a tecer a própria rede de conhecimentos.
As conexões dessa rede surgem sem determinações precisas, incorporam o acaso, a indeterminação, a diversidade, a ambigüidade e a incerteza (Morin, 1996)3. Trata-se de uma constante abertura a novas interações, ao desafio de apreender a realidade em sua complexidade, em busca de compreender as múltiplas dimensões das situações que enfrenta, estabelecer vínculos (ligações) entre essas dimensões, conectálas com o que já conhece (nós), representá-las, ampliá-las e transformá-las tendo em
vista melhorar a qualidade de vida.
Na rede, aprender é descobrir significados, elaborar novas sínteses e criar elos (nós e ligações) entre parte e todo, unidade e diversidade, razão e emoção, individual e global, advindos da investigação sobre dúvidas temporárias, cuja compreensão leva ao levantamento de certezas provisórias ou a novos questionamentos (Fagundes, 1999)4 relacionados com a realidade.
O homem apreende a realidade por meio de uma rede de colaboração na qual cada ser ajuda o outro a desenvolver-se ao mesmo tempo que também se desenvolve. Todos aprendem juntos e em colaboração. “Ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1993, p. 9)5.
Aprender em um processo colaborativo é planejar; desenvolver ações; receber, selecionar e enviar informações; estabelecer conexões; refletir sobre o processo em desenvolvimento em conjunto com os pares; desenvolver a interaprendizagem, a competência de resolver problemas em grupo e a autonomia em relação à busca e ao fazer por si mesmo (Silva, 2000)6. As informações são selecionadas, organizadas e
contextualizadas segundo as necessidades e interesses momentâneos do grupo, permitindo estabelecer múltiplas e mútuas relações e recursões, atribuindo-lhes um novo sentido que ultrapassa a compreensão individual.
O grupo que trabalha em colaboração é autor e condutor do processo de interação e criação. Cada membro desse grupo é responsável pela própria aprendizagem e co-responsável pelo desenvolvimento do grupo. Por meio de interações favorecidas pelas TIC, cada participante do grupo confronta sua unidade de pensamento com a universalidade grupal, navega entre informações para estabelecer ligações com conhecimentos já adquiridos, comunica a forma como pensa, coloca-se aberto para compreender o pensamento do outro e, sobretudo, participa de um processo de construção colaborativo, cujos produtos
decorrem da representação hipertextual, comunicação, conexão de idéias no computador, levantamento e teste de hipóteses, reflexões e depurações. Nessa abordagem, a educação é concebida como um sistema aberto, “com mecanismos de participação e descentralização flexíveis, com regras de controle discutidas pela comunidade e decisões tomadas por grupos interdisciplinares” (Moraes, 1997, p. 68)7.
Tecer redes de conhecimento na escola significa assumir a ótica da interação e colaboração entre alunos, professores, funcionários, dirigentes, especialistas e comunidade. Nessa perspectiva, o professor trabalha junto com os alunos e incentiva os alunos a colaborarem entre si, o que favorece “uma mudança de atitude em relação à participação e compromisso do aluno e do professor, uma vez que olhar o professor como parceiro idôneo de aprendizagem será mais fácil, porque está mais próximo do tradicional. Enxergar seus colegas como colaboradores para seu crescimento, isto já significa uma mudança importante e fundamental de mentalidade no processo de aprendizagem” (Masetto, 2000, p. 141)8.
Assim, as interações entre as pessoas que se envolvem na criação dos nós de suas redes de conhecimento propiciam as trocas individuais e a constituição de grupos que interagem, pesquisam e criam produtos ao mesmo tempo que se desenvolvem. Cada ser retira do hipertexto as informações que lhe são mais pertinentes, internaliza-as, apropria-se delas e as transforma em uma nova representação hipertextual; ao mesmo tempo que transforma-se, volta a agir no grupo transformado e transformando o grupo.
Redefine-se o papel do professor: “mais do que ensinar, trata-se de fazer aprender (...), concentrando-se na criação, na gestão e na regulação das situações de aprendizagem” (Perrenoud, 2000, p. 139)9, cuja mediação propicia a aprendizagem significativa aos grupos e a cada aluno. Desta forma, pode-se mobilizar os alunos para a investigação e a problematização alicerçados no desenvolvimento de projetos, solução de problemas, reflexões individuais e coletivas, nos quais a interação e a colaboração subsidiam a representação hipertextual do conhecimento.
Ensinar é organizar situações de aprendizagem, criando condições que favoreçam a compreensão da complexidade do mundo, do contexto, do grupo, do ser humano e da própria identidade. Diz respeito a levantar ou incentivar a identificação de temas ou problemas de investigação, discutir sua importância, possibilitar a articulação entre diferentes pontos de vista, reconhecer distintos caminhos a seguir na busca de sua compreensão ou solução, negociar redefinições, incentivar a busca de distintas fontes de informações ou fornecer informações relevantes, favorecer a elaboração de conteúdos e a formalização de conceitos que propiciem a aprendizagem significativa.
Criar ambientes de aprendizagem com a presença das TIC significa utilizar a TIC para a representação, a articulação entre pensamentos, a realização de ações, o desenvolvimento de reflexões que questionam constantemente as ações e as submetem a uma avaliação contínua. O professor que associa as TIC aos métodos ativos de aprendizagem desenvolve a habilidade técnica relacionada ao domínio da tecnologia e, sobretudo, articula esse domínio com a prática pedagógica e com as teorias educacionais que o auxiliem a
refletir sobre a própria prática e a transformá-la visando explorar as potencialidades pedagógicas das TIC em relação à aprendizagem e à conseqüente constituição de redes de conhecimentos.
A aprendizagem é um processo de construção do aluno – autor de sua aprendizagem, mas nesse processo o professor além de criar ambientes que favoreçam a participação, a comunicação, a interação e o confronto de idéias dos alunos, também tem sua autoria. Cabe ao professor, promover o desenvolvimento de atividades que provoquem o envolvimento e a livre participação do aluno, assim como a interação que gera a co-autoria e a articulação entre informações e conhecimentos com vistas a construir novos conhecimentos que levem à compreensão do mundo e à atuação crítica no contexto.
O professor atua como mediador, facilitador, incentivador, desafiador, investigador do conhecimento, da própria prática e da aprendizagem individual e grupal. Ao mesmo tempo em que exerce sua autoria, o professor coloca-se como parceiro dos alunos, respeita-lhes o estilo de trabalho, a co-autoria e os caminhos adotados em seu processo evolutivo. Os alunos constróem o conhecimento por meio da exploração, navegação, comunicação, troca, representação, criação/recriação, organização/reorganização, ligação/religação, transformação e elaboração/reelaboração.
A incorporação da TIC na escola favorece a criação de redes individuais de significados e a constituição de uma comunidade de aprendizagem que cria a sua própria rede virtual de interação e colaboração, caracterizada por avanços e recuos num movimento não-linear de inter-conexões em um espaço complexo, que conduz ao desenvolvimento humano, educacional, social e cultural. O movimento produzido pelo pensar em redes de conhecimento propicia ultrapassar as paredes da sala de aula e os muros da escola, rompendo com as amarras do estoque de informações contidas nas grades de programação de conteúdos estanques.
Desta forma, parcela significativa desse contingente de analfabetos (de fato ou funcionais) poderá desenvolver a capacidade de utilizar a TIC na criação de suas redes de conhecimento, superando um grande obstáculo para a construção de uma sociedade mais justa, ética e humanitária.
Para incorporar a TIC na escola, é preciso ousar, vencer desafios, articular saberes, tecer continuamente a rede, criando e desatando novos nós conceituais que se inter-relacionam com a integração de diferentes tecnologias, com a linguagem hipermídia, teorias educacionais, aprendizagem do aluno, prática do educador e a construção da mudança em sua prática, na escola e na sociedade. Essa mudança torna-se possível ao propiciar ao educador o domínio da TIC e o uso desta para inserir-se no contexto e no mundo, representar, interagir, refletir, compreender e atuar na melhoria de processos e produções, transformando-se e transformando-os.
1 Dados obtidos na Web, em 04.09.2001: http://www.ibge.gov.br.
2 Morin, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO,
2000.
3 Morin, E. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.
4 Fagundes, L. C., Sato, L. S., Maçada, D. L. Aprendizes do futuro: as inovações começaram. Cadernos
Informática para a Mudança em Educação. MEC/ SEED/ ProInfo, 1999. Disponível na web:
http://www.proinfo.mec.gov.br
5 Freire, P. Política e Educação. São Paulo: Cortez, 1993.
6 Silva, M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.
7 Moraes, M. C. O Paradigma Educacional Emergente. Campinas, Papirus, 1997.
8 Masetto, M. T. mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: Moran, J. M.; Masetto, M. T. & Behrens,
M. A . Novas tecnolgias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000.
9 Perrenoud, P. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

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